MP nº 927 é aprovada na Câmara dos Deputados – Texto segue ao Senado

19/06/2020 09:22

O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou na noite de hoje, 17 de junho, a Medida Provisória nº 927/2020, que dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública decorrentes do coronavírus.

 

A discussão da MP havia se iniciado na tarde de ontem e foi retomada às 10:00, com a votação de um conjunto de requerimentos da oposição para retirada de pauta e adiamento da discussão, não aprovados pela maioria dos deputados e deputadas presentes.

 

Ainda na obstrução da minoria, foi colocado em apreciação requerimento de votação do texto artigo por artigo, também rejeitado.

 

Aprovados os requisitos constitucionais da MP, passou-se à votação do mérito e o texto-base da MP foi aprovado por 332 votos a favor e 132 votos contrários.

 

Em seguida, foram votadas em conjunto as emendas de Plenário, todas rejeitadas também.

 

Onze destaques foram votados nominalmente, mas apenas um[1] foi aprovado, com grave sacrifício aos trabalhadores: suspende o cumprimento dos acordos trabalhistas já celebrados, inclusive em ações judiciais, quando houver paralisação total ou parcial das atividades da empresa por determinação do Poder Público, por todo o período que durar o estado de calamidade, que vai até 31 de dezembro, mas pode ser prorrogado. Também suspende o protesto de títulos executivos.

 

A sessão foi encerrada às 19:24.

 

 

Principais pontos prejudiciais à classe trabalhadora

 

1. Vincula o estado de calamidade pública com o conceito de força maior para fins trabalhistas, o que poderia levar à aplicação do art. 502 da CLT (redução pela metade das verbas rescisórias em caso de extinção da empresa) e do art. 503 da CLT (redução salarial de até 25% do salário), o que é evidentemente inconstitucional.

 

2. Em relação à manutenção do vínculo empregatício, não impede que ocorram dispensas individuais ou coletivas.  

 

3. Ao remeter para a prevalência dos acordos individuais, desprestigia uma vez mais as negociações coletivas que poderiam dar mais segurança e proteção na aplicação das medidas

 

4. Autoriza, a critério unilateral do empregador, a prorrogação de vigência dos acordos coletivos e das convenções coletivas, que vencerem no prazo de 180 dias a contar da MP, por 90 dias. A prorrogação deveria ser automática e não a critério do empregador. 

 

5. Trabalha somente com as hipóteses já estabelecidas em lei como teletrabalho, antecipação de férias individuais, concessão de férias coletivas e aproveitamento de feriados. Nesse caso, também estabelecidas em condições contratuais individuais. 

 

6. Suspende a obrigatoriedade de todos os exames ocupacionais, com exceção do demissional. Nos contratos de trabalho de curta duração e de safra, dispensa inclusive o demissional, ponto gravíssimo em momento no qual a saúde dos trabalhadores deveria ser garantida e que põe em risco a composição da prova, em caso de adoecimento.

 

7. Suspende o recolhimento do FGTS por três meses e difere o seu recolhimento. 

 

8. Elastece a possibilidade de banco de horas, com aumento do período para compensação, no prazo de até 18 meses, podendo ser por acordo coletivo ou individual. Na CLT, a compensação poderia ocorrer até um ano, se o banco de horas fosse instituído por acordo coletivo. Na hipótese de acordo individual, a compensação poderia ocorrer até o máximo de seis meses.

 

9. Possibilita o banco de horas negativo. Ou seja, o empregado não trabalha, recebe os salários e fica devendo o cumprimento da jornada de trabalho posteriormente. Pelo sistema proposto, o banco de horas gerado em favor do empregador gerará uma dívida em horas de trabalho ao empregado, virtualmente impagável.

 

10. As comissões internas de prevenção de acidentes poderão ser mantidas até o encerramento do estado de calamidade pública e os processos eleitorais em curso poderão ser suspensos. Deveria ter tratado de outros processos eleitorais, em especial das entidades sindicais. 

 

11. Suspendeu a contagem do prazo prescricional dos débitos relativos a contribuições do FGTS pelo prazo de 120 dias, e deveria ter estabelecido a mesma regra para suspensão de prazo prescricional dos créditos trabalhistas.  

 

12. Convalida as medidas trabalhistas adotadas por empregadores que não contrariem o disposto na MP, tomadas no período dos 30 dias anteriores à data de entrada em vigor da Medida Provisória. 

 

13. Não concede qualquer tipo de vantagem pecuniária em caso de dispensa, que, não estando vedada, já está a ocorrer. 

 

14. Não assegura qualquer tipo de garantia de emprego no período, ao contrário de outros países, como a Itália, que assegurou por, pelo menos, 2 meses. 

 

15. Não trata dos trabalhadores informais, autônomos ou de aplicativos. 

 

16. Não assegura nenhuma garantia, seja de proteção (a mais importante), seja pecuniária, aos trabalhadores do serviço de saúde, utilizando apenas regra que flexibiliza as jornadas e a forma de compensação ou pagamento, com a possibilidade de imposição jornadas extenuantes a esses profissionais.

 

17. Suspende o cumprimento dos acordos trabalhistas já celebrados, inclusive em ações judiciais, quando houver paralisação total ou parcial das atividades da empresa por determinação do Poder Público, por todo o período que durar o estado de calamidade, que vai até 31 de dezembro, mas pode ser prorrogado. Também suspende o protesto de títulos executivos.

 

 

Para relembrar – MP nº 927 e suas polêmicas

 

A MP nº 927/20 esteve envolta em polêmicas desde a data de sua edição.

 

No dia 29 de abril, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 6.342, 6.344, 6.346, 6.348, 6.349, 6.352 e 6.354, declarou a inconstitucionalidade dos arts. 29 e 31 da MP.

 

O art. 29 previa que os casos de contaminação pelo coronavírus não seriam considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. Ou seja, a vítima de moléstia nessas condições teria que, paradoxal e absurdamente, fazer a desafiadora comprovação do nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida e a contaminação pelo vírus.

 

Já o art. 31 da MP impossibilitava a fiscalização do trabalho pela Auditoria Fiscal do Trabalho, que passaria a ter caráter apenas de orientação no período dos próximos 180 dias. Restava claro que a limitação inconstitucional imposta à Auditoria colocaria em risco a vida de milhões de trabalhadores que permanecem laborando nas empresas, em momento no qual a fiscalização deve ser intensificada.

 

Na tramitação na Câmara dos Deputados, chamou atenção também os diversos pareceres do Relator, Deputado Celso Maldaner (MDB-SC).

 

Em uma das versões, a despeito da decisão do STF, o Deputado limitou novamente a caracterização da Covid-19 como doença profissional ou do trabalho. Depois, nas outras versões de parecer e, na versão mais recente, aprovada, o dispositivo foi retirado.  

 

Houve também tentativa de alterar as regras relacionadas ao trabalho em câmaras frigoríficas, com redução do tempo de repouso de 20 minutos a cada duas horas de jornada. Com a mudança, o empregado só poderia repousar se a câmara fria tivesse temperatura abaixo de 4°C, contra os 15°C atuais. Tal alteração também foi retirada do parecer que foi à votação.

 

 

Próximos passos 

 

A MP nº 927 segue agora para votação no Senado Federal, arena para a qual se deve voltar o foco das entidades sindicais e da sociedade civil, para tentar minimizar os pontos prejudiciais à classe trabalhadora. Se houver alguma alteração pelos senadores e senadoras, deverá voltar à Câmara dos Deputados, a não ser que a emenda seja considerada apenas de redação. Caso aprovado o texto da Câmara, seguirá para sanção presidencial.

 

Brasília, 17 de junho de 2020.

 

 

REFERÊNCIA

 

[1] Dê-se ao art. 30 da Medida Provisória nº 927, de 2020, a seguinte redação:

“Art. 30. ..............................................................

Parágrafo único. Quando houver paralisação total ou parcial das atividades da empresa por determinação do Poder Público, fica suspenso, a partir da publicação desta Medida Provisória, pelo período do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, o cumprimento dos acordos trabalhistas em andamento, bem como o protesto de títulos executivos:

I – celebrados na rescisão do contrato de trabalho ou nos acordos judiciais nas reclamações trabalhistas;

II – que disponham sobre planos de demissão voluntária nos termos do art. 477-B da Consolidação das Leis do Trabalho”.

Fonte: www.lbs.adv.br/covid-19/mp-no-927-e-aprovada-na-camara-dos-deputados-texto-segue-ao-senado