Grupo de trabalho irá acompanhar implantação do piso da enfermagem no RS

06/11/2023 08:21

 

Piso2

Um grupo de trabalho permanente, vinculado à Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, irá acompanhar a aplicação no Rio Grande do Sul da lei que criou o piso nacional da enfermagem.

A decisão foi tomada ao final da audiência pública, realizada na manhã de quarta-feira (1º), para discutir os entraves à efetiva implementação da legislação, que foi sancionado pelo Congresso Nacional em agosto de 2022, depois de cinco décadas de luta da categoria.

Proposta pelo deputado Valdeci Oliveira (PT), a audiência reuniu as principais entidades representativas dos enfermeiros no RS e no país, além de representantes dos municípios, do estado e da União.

“Apesar de ter sido fruto de uma ampla negociação, ainda há muitas incertezas em torno do piso, que não está sendo 100% cumprido. O governo federal garantiu recursos para ajudar estados, municípios e prestadores de serviços do SUS, mas parece que falta boa vontade para tornar o piso uma realidade”, pontuou o parlamentar.

Histórico

A questão do Piso da Enfermagem é uma luta que vem de longe, de muitas décadas. A regulamentação da profissão foi sancionada há 68 anos no Brasil, em 1955, pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra. Mas os artigos da lei que descreviam o piso salarial e a jornada de trabalho de 30 horas foram vetados pelo então presidente.

Passados 40 anos, em 1996, a luta nacional organizada pela categoria conseguiu aprovar no Congresso um projeto estabelecendo as 30 horas como jornada semanal, vetado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Na década seguinte, a pauta retornou através do Senado Federal e, numa tramitação que durou duas décadas, novamente as “30 horas” foram aprovadas em 2020, mas ainda aguarda votação na Câmara dos Deputados.

Depois de sancionada, a lei do piso acabou sendo suspensa pelo STF, que cobrou estimativas sobre o impacto financeiro de sua aplicação. Para viabilizá-la, o governo eleito em 2022 incluiu, na PEC da Transição, R$ 7,3 bilhões a título de assistência complementar financeira para estados, municípios e prestadores de serviços, que tenham entre os seus atendidos, pelo menos, 60% de usuários do SUS.

Entraves

Apesar da ajuda federal, há resistência em alguns setores em cumprir a lei. A presidente do Sindicato dos Enfermeiros do RS, Cláudia Franco, relatou que há empresas que pleiteiam pagar o piso em quatro anos. “O piso é lei e tem que ser cumprido. Não vou fechar acordo que prejudique a categoria”, avisou.

Ela denunciou ainda que prefeituras, que terceirizaram a Atenção Básica, como a de Porto Alegre, não depositaram os novos valores, que são de R$ 4.750,00 para enfermeiros, R$ 3.325,00 para técnicos em enfermagem e R$ 2.375,00 para auxiliares de enfermagem para uma jornada de 44 horas semanais.

De acordo com Inara Ruas, vice-presidente do Conselho Estadual de Saúde (CES), as dificuldades estão acontecendo no país inteiro e quem está atrapalhando é a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Saúde, entidade patronal, que está fazendo propostas de parcelamento do pagamento do piso.

O deputado Pepe Vargas (PT) fez coro à líder sindical, ressaltando que “não há previsão legal para escalonamento na implementação da lei do piso”. Ele alertou ainda que os gestores públicos que não cumprirem a lei correm o risco de terem as contas rejeitadas ao gerarem passivos trabalhistas e atuarem contra o princípio da economicidade.

Piso3

Indexador e transparência

O presidente da Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Saúde do Rio Grande do Sul, Milton Kempher, teme que o piso vire “letra morta”, pois a lei que o instituiu não prevê um indexador. “Sem um índice oficial de recomposição, em pouco tempo o seu valor será igual ao do salário mínimo”, previu.

Ele denunciou ainda que técnicos e auxiliares de enfermagem vinculados às prefeituras não estão recebendo e que poucos serviços privados estão cumprindo a lei.

Já o presidente do Sindisaúde, Júlio Cézar Jesian, cobrou transparência na divulgação dos dados relativos aos repasses federais e afirmou que o pagamento acumulado de parcelas acabou prejudicando os trabalhadores, que acabaram tendo que pagar mais imposto de renda. Além disso, revelou que há empresas que estão cobrando dos funcionários a “parte patronal das obrigações sociais”.

Outra reclamação diz respeito à situação de profissionais da enfermagem que atuam no sistema prisional e que também não estariam recebendo o piso nacional.

A deputada Luciana Genro (PSOL) e o presidente do Conselho Regional da Enfermagem, Antônio Ricardo Tola, atribuíram a demora na implantação do piso ao machismo estrutural, já que 85% da categoria é integrada por mulheres. “São as mulheres que sustentam o sistema de saúde no país, assim como têm presença expressiva na educação. Não é à toa que nestas duas áreas os salários são tão desvalorizados”, apontou a parlamentar.

Contraponto

A diretora do Fundo Estadual de Saúde, Meriana Farid El Kek, afirmou que a União já repassou R$ 4,7 bilhões dos R$ 7,3 bilhões previstos para este ano. Ao Rio Grande do Sul coube R$ 197 milhões, R$ 76 milhões dos quais são destinados à gestão estadual e o restante aos prestadores de serviços.

Meriana ressaltou que o trabalho para viabilizar o pagamento não é fácil, pois envolve dados de, pelo menos, 300 hospitais. Explicou que informações ligadas aos CPFs dos profissionais são protegidos por lei e não podem ser divulgados, mas que a Secretaria Estadual da Saúde e o Ministério da Saúde divulgam em seus sites os relatórios dos repasses referentes ao auxílio federal. 

O representante do Ministério da Saúde, Fábio de Araújo Maia, explicou como ocorre o processo de transferência dos recursos do Fundo Nacional de Saúde para auxiliar estados, municípios e prestadores a pagar o piso. Disse que o sistema utilizado é o InvestSus, cujos dados para fazer os cálculos relativos aos repasses são abastecidos pelos gestores. Eventuais distorções, segundo ele, podem ser corrigidas.

Maia anunciou que há ainda R$ 2,6 milhões para serem remetidos aos estados, relativos às parcelas de novembro, dezembro e ao 13º salário. Sinalizou também com nova previsão de recursos orçamentários para ajudar no pagamento do piso em 2024.

Piso4

Próximos passos

Na semana que vem, o Grupo de Trabalho deverá ser formado com a indicação dos representantes das respectivas entidades de classe da categoria para definição e planejamento das ações a serem efetivadas. Uma reunião no Ministério da Saúde, em Brasília, está entre as prioridades.

Pedido de informações à Federação dos Municípios do RS (FAMURS) sobre os principais problemas e entraves enfrentados pelas gestões para a efetivação da lei – como a criação via decreto ou legislação própria – é outro ponto a ser trabalhado já nos próximos dias.

 

Fotos: Christiano Escolani / AL-RS

 

Fonte: CUT-RS com informações de Olga Arnt e Marcelo Antunes / AL-RS