Audiência pública cobra fim do regime de urgência do projeto de Código Ambiental do governo Leite

23/10/2019 12:57

Brasil de Fato

Representantes de entidades de defesa do meio ambiente, centrais sindicais, Judiciário, Ministério Público do Rio Grande do Sul e vários dos parlamentares, que participaram da audiência realizada nesta segunda-feira (21) no Teatro Dante Barone da Assembleia Legislativa do RS, pediram a retirada do regime de urgência do Projeto de Lei (PL 431/2019) do governador Eduardo Leite (PSDB), que prevê 480 alterações no atual código ambiental gaúcho. Houve muitas criticas à falta de diálogo do governo com a sociedade durante a elaboração da proposta, apontando que a celeridade da tramitação não dá tempo hábil para uma discussão mais aprimorada.

Alegando modernização e desburocratização, Leite encaminhou, no último dia 27 de setembro, em caráter de urgência, o pedido de reformulação da legislação ambiental vigente, a Lei nº 11.520, de 3 de agosto de 2000. Caso não seja retirado o pedido de urgência, a expectativa é que o projeto seja votado até o dia 29 de outubro. A partir de 5 de novembro, ele passa a trancar a pauta de votações da Assembleia.

Proposta pelos deputados estaduais Frederico Antunes (PP) – líder do governo Leite na Assembleia – , Elton Weber (PSB) e Gabriel Souza (MDB), a audiência foi realizada em conjunto com as comissões de Constituição e Justiça; Agricultura, Pecuária e Cooperativismo; e de Saúde e Meio Ambiente.

O encontro também reuniu empresários e teve a participação do secretário do Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMA), Artur Lemos. Com 20 minutos para a apresentação do projeto, o secretário afirmou que o projeto visa o equilibro e que, no texto base, foram agregadas contribuições.

De acordo com Lemos, o novo código é mais construtivo e orientativo do que punitivo, e tem como proposta ter regras claras, ser sustentável em si mesmo e seguro, mas não burocrático, trazendo instrumentos não previstos no passado.

Lemos alegou que o projeto não prejudica o meio ambiente, mas tem efeitos imediatos em algumas frentes, como novas formas de licenciamento. “Saímos do eixo do estado fiscalizador, que multa, para fomentar o desenvolvimento. A lei não é perfeita. Precisa estar sempre aberta para ser aperfeiçoada”.

Representado o Tribunal de Justiça do Estado e a AJURIS – Escola Superior de Magistratura, a juíza Patricia Laydner mostrou preocupação com o regime de urgência. “Estamos tratando aqui de direito ambiental. Não estamos tratando aqui de uma lei de bens disponíveis, e sim de um bem indisponível e coletivo, e por isso temos que pensar na participação”, ressaltou ao complementar que essa participação não se dará em uma audiência pública com uma presença limitada de participantes.

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Laydner não entende o motivo do projeto tramitar em regime de urgência. | Foto: Celso Bender | Agência ALRS  

Ela lembrou ainda que o direito ambiental proíbe retrocessos e que o atual código foi fruto de uma construção coletiva. De acordo com ela, se apresentam problemas e precisa ser revisado, precisa ser suficientemente debatido. “A lei federal não está tramitando em regime de urgência, então a gente não entende porque este projeto tramita em regime de urgência aqui no Estado. As sugestões estão vindo. O problema é que isso feito na pressa. Depois seremos nós, juízes, que teremos que julgar com base em uma colcha de retalhos”, assinalou.

Por sua vez, o representante do Ministério Público do RS (MP-RS), promotor Daniel Martini, disse que o MP não se coloca contra o desenvolvimento econômico do Estado ou contra uma nova legislação. No entanto, ela tem que ser ambientalmente segura pela amplitude das mudanças que são propostas.

Ele lembrou que o Ministério requereu, desde que teve ciência do projeto, a retirada do pedido de urgência para oportunizar um debate aprofundado. Assim como fez Patricia, recordou o debate em âmbito nacional. “Uma normativa nova tramitando em regime de urgência pode conflitar com a legislação federal, que não tramita em regime de urgência”.

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 Para Daniel Martini, regime de urgência pode conflitar com a legislação federal. | Foto: Celso Bender | Agência ALRS  

Martini informou que o MP-RS reuniu 13 promotores com atuação na área ambiental, mais o corpo técnico, e produziu documento com sugestões em 112 artigos do projeto. “Quando o estado desempenha o seu papel, o licenciamento é facilitado. Sugerimos incorporar o plano de emergência para episódios críticos para poluição do ar”.

Em relação ao licenciamento, sugere que, quando necessitar de anuência de alguma unidade de conservação, que se mantenha a redação atual para que não haja aprovação tácita. Já sobre o autolicenciamento, o MP pede que seja restringido apenas às atividades que não geram risco.

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Manifestantes protestaram em defesa do meio ambiente. | Foto: Leandro Molina

Deputados  reafirmam pedido para retirada do regime de urgência

Vários deputados reafirmaram, na audiência pública, o pedido formalizado na ultima sexta-feira (18), quando entregaram ao secretário-chefe da Casa Civil, Otomar Vivian, o pedido para a retirada do regime de urgência para que a sociedade possa debater o tema.

O deputado Edegar Pretto (PT) observou que todos são a favor do desenvolvimento do Rio Grande do Sul, portanto as pessoas que se preocupam com o meio ambiente não podem ser chamados de atrasados e que não querem desenvolver. “A nossa legislação é modelo no nosso país, justamente pela responsabilidade com que ela foi debatida por quase 10 anos. Não podemos colocar em lados opostos o desenvolvimento com a proteção do meio ambiente. Os dois devem caminhar juntos com responsabilidades”.

Edegar afirmou que a sociedade evoluiu e mudou e a legislação precisa ser revisada constantemente, mas em nome do desenvolvimento não podemos atacar o meio ambiente.

“Se flexibilizarmos, teremos problemas com o mercado internacional. Somos um estado produtor e exportador. Temos as principais bacias. Queremos realizar debate em todas as regiões do estado”, disse.  Edegar questionou por que a poluição sonora foi suprimida do Código. “Será que não é importante ouvir os especialistas?”, ponderou o parlamentar. 

O deputado Jeferson Fernandes (PT) disse que não participou da subcomissão que tratou do tema e o argumento do secretário não pode ser utilizado, não pode passar a ideia de que a Assembleia já discutiu e aprovou por antecipação.

“Sou gaúcho, me orgulho do estado e quero ver ele crescer. Votamos a favor do ICMS para que o estado desenvolvesse, mas não veio um projeto para atrair investimentos. Então, com base em que diz que o código do meio ambiente está atravancando o desenvolvimento?”, indagou. Não é possível ouvir discurso ideológico e não embasado em dados técnicos, observou.

Jeferson observou que a demora no licenciamento, muitas vezes, é por falta de investimento em recursos humanos. Um dos problemas gravíssimos neste estado é a quantidade enorme de câncer por excesso de veneno. Outro argumento do deputado foi que o prazo é tão rápido que antecipa a mudanças que estão em discussão no Congresso Nacional.

“Além deste projeto, deve entrar também projeto em regime de urgência que muda o plano de carreira dos servidores que também vai nos tomar tempo e dedicação. Não há hoje um deputado que possa dizer que vai votar com a consciência tranqüila em regime de urgência”, disse.

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Sofia Cavedon (PT) disse que o pressuposto de que o código impede o desenvolvimento é uma falácia. “Em tempos em que o mundo está preocupado com o meio ambiente não podemos retroceder. É o inverso que temos que fazer. Revisar o código para ver onde melhorar. Um dos temas é a retirada da educação ambiental, que vai na contramão do mundo todo”. Sofia questionou que, das 480 alterações, oito apenas contemplam o relatório da subcomissão realizada em 2016.

A revisão da legislação, admitiu o deputado Zé Nunes (PT), é natural e talvez necessária. Mas questionou o regime de urgência. O desenvolvimento do estado está relacionado a questões muito maiores. As pessoas estão desempregadas e vendendo as coisas que têm porque não há distribuição de renda.

 “A morosidade e a dificuldade que o estado tem são por conta do código ou pela falta de estrutura, por falta de método ou de condições de licenciar?”, indagou. Zé Nunes sugeriu que se pactue um prazo para a votação do projeto, mas que não seja em apenas 30 dias. “O executivo precisa se reportar ao que ele falou: queremos o debate e a participação da população”.

O consultor e professor de Direito Ambiental, Beto Moesch, que coordenou os debates na Assembleia Legislativa durante os anos 1990 que deram origem ao Código Estadual do Meio Ambiente, disse que não houve um trabalho minucioso na atual proposta como o que feito na elaboração do código vigente. “Precisamos manter o caráter democrático da elaboração do código ambiental aqui no RS, em que houve ampla participação da sociedade."

"Além disso, fomos pegos de surpresa com relação ao projeto, ainda por cima enviado em regime de urgência, isso é um deboche para com a democracia e a sociedade gaúcha, e isso é inaceitável”, frisou Beto. Ainda de acordo com ele, aquilo que se está reclamando, que é menos licenciamento e mais planejamento, estímulo e incentivo, é justamente o que já está no atual código, que não foi aplicado e que agora se quer alterar.

Conforme apontou a bióloga Lisiane Becker, do Instituto Mira-Serra, e integrante do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA), quando se entra com uma resolução de alteração, é necessária uma justificativa técnica, o que não é observado em nenhum artigo que o governo propõe mudar.

“Sem saber os argumentos, as justificativas técnico-legais, usando esse tipo de contorcionismo da técnica legislativa, e ainda em regime de urgência, perdemos toda a salvaguarda de proteção à nossa biodiversidade. Depois vamos ter esse problema com o clima, que já está se agravando, problemas com água, a própria modificação climática, que vão afetar a agricultura, investimento (questão do turismo) e perder polinizadores”, exemplificou.

De acordo com ela, é uma perda para o RS e interfere inclusive na proteção intergeracional. “Estamos tomando uma atitude que vai ser prejudicial às futuras gerações, não só à qualidade humana como à biodiversidade. Isso está acontecendo em todas as unidades federativas, uma redução das proteções legais sob argumentos ‘de melhoria’ para o crescimento e desenvolvimento, enquanto vamos ter justamente o contrário”, concluiu.

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 Alterações podem prejudicar inclusive gerações futuras, alerta bióloga | Foto: Leandro Molina 

 

Fonte: CUT-RS com Brasil de Fato e Assembleia Legislativa