Água, Direito Humano Fundamental

05/10/2017 09:53
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Crédito: foto - Sindicato dos Bancários SP

Água, Direito Humano Fundamental

Maude Bralow, uma das maiores especialistas em água, afirma que o “Fórum das Corporações” não é um espaço legítimo para o desenho de políticas, por defender interesses corporativos interessados na privatização e mercantilização da água

Autor: Carlos Bocuhy*

Um expressivo evento mundial sobre água acontecerá no Brasil em 2018. Brasília será, pela primeira vez, sede do Fórum Mundial da Água, entre 18 e 23 de março. São esperadas 30 mil representantes de mais de cem países para discutir temas relacionados aos recursos hídricos.

Apesar da grande magnitude do encontro, uma das maiores especialistas do setor, a canadense Maude Barlow, deu um sinal claro da sua divergência em relação ao uso da água apenas como fonte de lucro. Uma das líderes da campanha que levou as Nações Unidas ao reconhecimento da água como direito humano fundamental, Maude recusou-se a participar do "processo cidadão", evento preparatório para o fórum para o qual foi convidada. Em carta de recusa aos organizadores do encontro, Maude afirma que o fórum não é um espaço legítimo para o desenho de políticas, por defender interesses corporativos interessados na privatização e mercantilização da água.

As Nações Unidas consideram, por meio da Resolução 64/292, que a água é um direito humano fundamental. Também confere o mesmo status, desde dezembro de 2016, ao saneamento básico. Se a água é um bem comum e direito humano fundamental, deve ser gerido com este objetivo e não como mera commodity. As empresas com objetivo estatutário de gerar e maximizar seu lucro apresentam dificuldades no exercício da gestão de bens comuns da sociedade – e das espécies vivas. Não foi por outro motivo que a Encíclica Laudati Si afirmou: “Espera-se que o controle da água por grandes empresas globais torne-se uma das principais fontes de conflito neste século".

O conflito de interesses é óbvio. Como resposta aos continuados casos de gestão privatizada e insuficiente, municipalidades como Berlim, Paris, Buenos Aires, Atlanta, Budapeste e La Paz, entre centenas de outras cidades no mundo, vêm reestatizando seus serviços de distribuição de água e tratamento de esgotos.

É preciso fortalecer o setor público de abastecimento e saneamento, com a perspectiva de planejamento territorial por bacias hidrográficas, sem perder a dimensão dos processos maiores, como a transposição de umidade pelas correntes aéreas, fenômeno continental bastante conhecido na América do Sul, onde a floresta amazônica e regiões do Pantanal contribuem para replicar condições vitais que mantêm o regime de chuvas em grande parte do continente.

Uma política nacional de segurança hídrica não poderá negligenciar estes fatos, que vão dos conflitos de interesses na gestão de bens públicos, aos cuidados com o espaço territorial e seus ecossistemas.

A ONU vem acendendo velas para os dois lados, público e privado. Dá seu aval a um fórum mantido pelo Conselho Mundial da Água, que defende a privatização da água, enquanto defende também a água como bem comum. Em que pese o forte interesse do setor privado na realização do fórum, o governo brasileiro, por meio da Agência Nacional de Águas, pretende gastar R$ 30 milhões de recursos públicos na realização do Fórum Mundial da Água.

É preciso concilar os caminhos da humanidade e das espécies vivas com a nossa realidade de gestão de bens públicos. O ritmo econômico voraz diverge do ritmo biológico do planeta. É preciso adotar sistemas de gestão focados na geração de bens comuns, com respeito aos ecossistemas e manutenção dos processos naturais de produção de água.

A adequada gestão da água só poderá ser efetiva se o sistema de gestão estiver voltado, de forma prioritária e livre de conflitos de interesses, ao bem comum, em processo de construção democrática e transparente e voltado à sustentabilidade.

Neste sentido foi importantíssima a reunião que ocorreu na Universidade Belgrano, em Buenos Ayres, no dia 25 de agosto, quando as instituições participantes do IX Foro Internacional de Direito Ambiental de Buenos Ayres associaram-se à proposta de construir internacionalmente um Termo de Referência com recomendações aos governos sobre Água como Direito Humano Fundamental, que será apresentado durante o Fórum Mundial da Água e na Forum Alternativo Mundial da Água, em março de 2018, no Brasil.

Destaco neste processo a importantíssima liderança e articulação emprestadas à causa, pelo eminente jurista Dino Bellorio Clabot e o ambientalista Juan Manuel Velasco, que estão envidando esforços para a realização de uma reunião preparatória sobre o tema Água como Direito Fundamental, prevista para ocorrer na Universidade Belgrano em final de outubro.

Outra reunião preparatória deverá ocorrer em final de novembro em Brasília, Capital Federal do Brasil. No início de outubro, entre as demais organizações participantes, a Liga Mundial de Abogados Ambientalistas, presidida desde o México pelo ilustre humanista Dr. Aquilino Vazquez Garcia, estará abrindo espaço durante a realização do 15º Encuentro Internacional de Derecho Ambiental que ocorrerá na Universidade de Merida, para a divulgação da proposta inicial do Termo de Referência sobre Água como Direito Humano Fundamental.

Para ilustrar as preocupações que tem assolado a sociedade, transmito, para conhecimento, o manifesto do qual tive a satisfação de participar como relator pelo PROAM. Trata-se do Manifesto de Chamamento aos Povos, documento que traz as contribuições de um grande número de atores sociais da sociedade civil brasileira frente ao tema “Água como Direito Humano Fundamental”. Boa leitura!

Clique para ler: Manifesto de Chamamento aos Povos – Fórum Alternativo Mundial da Água - FAMA

*Carlos Bocuhy é presidente do PROAM-Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental Conselheiro do Conama-Conselho Nacional do Meio Ambiente.

Artigo publicado anteriormente por IJEditores.

 

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O FAMA 2018 – Fórum Alternativo Mundial da Água – será realizado em março do próximo ano, em Brasília. Será um grande encontro com o objetivo de unificar internacionalmente a luta contra a tentativa das grandes corporações de se apropriarem de reservas e fontes naturais de água e de outros serviços públicos. O  FAMA se organiza em contraposição ao Fórum das Corporações – autodenominado 8º Fórum Mundial da Água.

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