A MPV 995/2020 e a Privatização da CAIXA

13/08/2020 10:23

Luiz Alberto dos Santos*

Publicada em edição extra no Diário Oficial ao final da sexta-feira 7 de agosto de 2020, e às vésperas da conclusão do processo de abertura de capital da Caixa Seguridade, a Medida Provisória nº 995 concretizou uma medida há muito esperada pelo mercado.

Gerada no contexto privatista do Governo Bolsonaro-Guedes, ela permite às subsidiárias da Caixa criarem novas subsidiarias, tanto para atividades do seu objeto social quanto para atividades complementares ou “associadas a ações de desinvestimentos de ativos da Caixa”. E permite, também, que essas subsidiárias adquiram controle societário ou participação societária minoritária em sociedades empresariais privadas. Essa autorização valerá até 31.12.2021.

A Caixa já tem autorização legal (Lei 11.908, de 2009) para criar subsidiárias mas para cumprimento do seu objeto social, somente. Essa autorização foi dada pelo Congresso num contexto de expansão das atividades da empresa, e não com o fim de viabilizar sua privatização “aos pedaços”.

O objetivo da MPV 995, porém, é permitir que as subsidiárias criem novas subsidiárias, pulverizando as atividades da Caixa, mas para privatizar essas operações que vão ser divididas em empresas menores, sem autorização previa do Congresso.

As atividades em processo de privatização são nas áreas de seguridade social, cartões de crédito, seguros, investimentos, títulos e valores mobiliários e outras. A própria exploração de loterias deverá se constituir em mais uma subsidiária.

Todas elas estão sendo constituídas como sociedades anônimas, o que facilita a abertura de capital e sua alienação. A Caixa, empresa-mãe, porém, é uma empresa pública cujo capital é exclusivamente da União.

Por essa via, a Caixa, assim, corre o sério risco de ser desmembrada e privatizada aos pedaços, ou associar-se a empresas privadas que irão explorar os segmentos mais lucrativos, ficando a Caixa privada dessas atividades e perdendo a sua capacidade de atuação.

Para evitar isso, no prazo regimental foram apresentadas por Deputados e Senadores 412 emendas, refletindo as seguintes propostas principais:

1) supressão os art. 1º e 2º, ou seja, que o Congresso conceda essa autorização na forma proposta;

2) alternativamente:

a) impedir que as subsidiárias sejam privatizadas sem autorização do Legislativo

b) obrigar a que todas as subsidiárias criadas para atuar no objeto social da Caixa sejam igualmente empresas públicas, ou seja, sem participação privada, preservando a sua natureza;

c) evitar a constituição de subsidiárias de segundo, terceiro e quarto níveis para exercer atividades que integrem o objeto social da Caixa ou suas subsidiárias de primeiro nível;

d) limitar a autorização à constituição de subsidiárias para explorar atividades complementares, que não integrem o objeto social primordial da Caixa definido pelo Decreto-Lei nº 759, de 1979.

As 412 emendas registradas até as 21h do prazo de apenas 2 dias para esse fim foram apresentadas por 39 deputados e deputados, e 13 senadores e senadoras. Os deputados apresentaram 325 emendas e os senadores, 87 emendas. A frequência de emendas por partido é a seguinte:

PARTIDO

QUANT.

% DO TOTAL

PT

209

50,7

PSOL

59

14,3

PCdoB

50

12,1

PSB

24

5,8

PDT

23

5,6

PL

20

4,9

REDE

14

3,4

PROS

5

1,2

CIDADANIA

2

0,5

MDB

2

0,5

PODEMOS

2

0,5

REPUBLICANOS

2

0,5

Total

412

100,0

A distribuição de emendas por Autor é a seguinte:

AUTOR

QUANT.

% DO TOTAL

Deputada Federal Erika Kokay

20

4,9

Deputado Federal Rogério Correia

14

3,4

Senador Paulo Paim

14

3,4

Senador Randolfe Rodrigues

14

3,4

Deputado Federal André Figueiredo

13

3,2

Deputado Federal Carlos Veras

13

3,2

Senador Jaques Wagner

13

3,2

Deputado Federal Bira do Pindaré

12

2,9

Deputada Federal Áurea Carolina

11

2,7

Deputada Federal Maria do Rosário

11

2,7

Deputado Federal Bohn Gass

11

2,7

Deputado Federal Daniel Almeida

11

2,7

Deputado Federal José Ricardo

11

2,7

Deputado Federal Lincoln Portela

11

2,7

Deputado Federal Pedro Uczai

11

2,7

Deputado Federal Tadeu Alencar

11

2,7

Deputado Federal Zé Carlos

11

2,7

Senador Humberto Costa

11

2,7

Senador Rogério Carvalho

11

2,7

Deputada Federal Alice Portugal

10

2,4

Deputada Federal Jandira Feghali

10

2,4

Deputado Federal João Daniel

10

2,4

Deputado Federal Patrus Ananias

10

2,4

Deputado Federal Renildo Calheiros

10

2,4

Deputada Federal Perpétua Almeida

9

2,2

Deputado Federal Luiz Carlos Motta

9

2,2

Deputado Federal Valmir Assunção

9

2,2

Senador Paulo Rocha

9

2,2

Deputada Federal Fernanda Melchionna

7

1,7

Deputada Federal Luiza Erundina

7

1,7

Deputada Federal Sâmia Bomfim

7

1,7

Deputado Federal David Miranda

7

1,7

Deputado Federal Edmilson Rodrigues

7

1,7

Deputado Federal Ivan Valente

7

1,7

Deputado Federal Frei Anastacio Ribeiro

6

1,5

Deputado Federal Marcelo Freixo

6

1,5

Senadora Zenaide Maia

5

1,2

Deputada Federal Rejane Dias

4

1,0

Deputado Federal Mário Heringer

4

1,0

Deputado Federal Vicentinho

4

1,0

Deputado Federal Enio Verri

3

0,7

Deputado Federal Túlio Gadêlha

3

0,7

Deputado Federal Luizão Goulart

2

0,5

Senador Jean Paul Prates

2

0,5

Senador Marcelo Castro

2

0,5

Senador Weverton

2

0,5

Senadora Rose de Freitas

2

0,5

Deputada Federal Tabata Amaral

1

0,2

Deputado Federal Felipe Rigoni

1

0,2

Deputado Federal Zé Neto

1

0,2

Senador Alessandro Vieira

1

0,2

Senadora Eliziane Gama

1

0,2

Total

412

100,0

Trata-se de emendas que visam proteger e preservar a CAIXA como patrimônio do povo brasileiro e impedir o seu desmonte e privatização por meio de desinvestimentos ou parcerias ou criação de subsidiarias que irão descaracteriza-la como empresa pública.

Ademais, são aderentes à tese defendida pelos Presidentes da Câmara e do Senado na Reclamação nº 42.576, em que apontam, precisamente, o artifício da criação de subsidiárias de empresas estatais com o propósito de promover sua privatização como burla ao princípio da reserva legal definido pelo Art. 37, XX da Constituição.

A matéria tramitará em regime excepcional e não será apreciada por comissão mista antes de sua apreciação em Plenário pela Câmara dos Deputados.

Assim, caberá ao Relator a ser designado a responsabilidade de, individualmente, ponderar as razões que levaram o Executivo a editá-la, e oferecer solução adequada a essas gravíssima situação de desrespeito às regras constitucionais, e que tem como fim último o desmonte da Caixa Econômica Federal.

(*) Consultor Legislativo do Senado e Advogado.

(**) Texto atualizado em 12/08/2020.